AGRICULTURA DE SUBSISTÊNCIA FAMILIAR NA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS MS
Senhor Fermiano Machado da etnia terena, reside na Reserva Indígena de Dourados, Francisco Horta Barbosa, Aldeia Jaguapiru, está com 76 anos de idade, nasceu no dia 15 de agosto de 1941, natural de Dourados, nascido e criado na Reserva Indígena, filho do Senhor João Machado e Aurora Cândida, ambos da etnia Terena, possui 15 alqueire de terra, na qual herdou dos pais, que vieram de Miranda para trabalhar na companhia da Erva Mate, logo após o trabalho, permaneceram na Reserva, Segundo Senhor Fermiano, seu pai morou onde é chamado hoje de Parque Alvorada, dali se mudaram para próximo a escola Pedro Palhano, e foram se deslocando para o interior da reserva, próximo a residência do Senhor Raul, na aldeia Bororó, e por fim se mudaram para o local, onde reside até hoje, juntamente com seus filhos e esposa, Feliciana da Silva, teve sete filhos do primeiro casamento e 6 filhos do segundo, no entanto tem 13 filhos, está em contato com a terra, desde seus cinco anos de idade, cresceu na roça, levando água para os pais, que sempre estavam na lida, e assim foi ajudando no cultivo das produções na roça da família, disse que foi criado no serviço de roça, tudo que sabe, aprendeu com os pais, estudou até a quarta série, tem boas recordações de sua professora Maria Luiza, que Lecionava na escola Farinha Seca, a mesma lhe possibilitou a realização de cursos de mecânica, mas não se identificou, continuou com o cultivo de roças, mencionou que não tinha estudo, mas Deus lhe deu sabedoria e seus conhecimentos tradicionais os ajudaram a viver e adquirir o que tem hoje; Em sua roça há de tudo um pouco, cultiva a rama de mandioca, feijão, ervilha, milho, cana e hortaliças, sempre trabalhou na roça, cultivando alimentos para o consumo e nunca deixou de ajudar outras famílias também, relatou que nunca passou necessidade, porque sempre teve algo cultivado na roça para servir a família, segundo ele “tem que saber valorizar o que tem, Deus dá o conhecimento e sabedoria, tem que trabalhar pensando na família,” esse pensamento o ajudou a trabalhar todos os dias visando o bem estar da família, as vezes se dedicando até demais, esquecendo de cuidar da saúde, ao ponto de desmaiar na roça e a ter outros problemas de saúde, mas isso não foi motivo para distanciá-lo do trabalho na roça.
FOTO: Egizele, Feliciana, Fermiano,Edilaine
A INFLUÊNCIA DA LUA NA AGRICULTURA
O agricultor deve atentar aos astros, observar o sol, a lua e período de chuva, “obedecer o que Deus manda, tempo de chuva é bom para o plantio”, se realizar o plantio no período de seca e não chover, a colheita não será boa; Para o cultivo da rama de mandioca, de amendoim, feijão, abóbora, batata doce e cana o mês adequado é final de setembro e durante o mês de outubro, antes de realizar o cultivo, deve observar as fases da lua, no entanto pode iniciar o cultivo na lua crescente, pois a raiz cresce e não irá broquear, porque essa lua tem influência muito boa nas plantas, nesta fase a seiva está presente no caule, nos ramos e nas folhas, lua cheia ainda é apropriado ao plantio, mas na lua minguante a raiz engrossa e cria dobras, podendo quebrar ao ser arrancada e dificultar na hora de cascá-la, ou não produzir, se cultivar algo na lua nova, também é boa para se cultivar algumas plantas, mas Fermiano sempre procurou seguir a lua crescente.
foto:Senhor Fermiano em sua plantação de cana.
RECURSOS UTILIZADOS
Na agricultura familiar de subsistência, usa-se poucos maquinários, no entanto Senhor Fermiano relata que nos dias atuais o homem usa maquinários nas plantações, faz irrigação, usa agrotóxico e não pensa nas plantas, por exemplo a irrigação prejudica a plantação, pode queimar a planta, no entanto para a realização do cultivo, não utiliza maquinários, faz uso de enxada, arado e saraquá, quando precisa de ajuda, chama os vizinhos para auxiliar no trabalho de plantio, capinar e realizar a colheita; Cultiva a mandioca, porque tem várias utilidades, pode ser consumida e comercializada, no momento cultiva apenas a mandioca amarelinha, porque é o que tem saída, todos gostam e compram, e o processo de cultivo até a colheita é curto, entre 4 a 5 meses, dependendo da variedade, segundo ele, possui uma rama cultivada, que ganhou da Embrapa, leva cinco meses para estar pronta para a colheita, diferente da mandioca branca, chamada de “mandioca Pão” e a “Giruti” levam de 8 á 1 ano para realização da colheita, são boas para a produção de polvilho e farinha, são variedade raras na reserva indígena devido ao período longo de produção.
Foto: plantação de mandioca.
após a colheita a rama é armazenada em um determinado local, para o próximo cultivo.
ARMAZENAMENTO DA RAMA PARA PRODUÇÃO
Questionamos como fazia o processo de armazenamento da rama, mencionou que após a colheita, deve se armazenar a rama para realizar novos plantios, nos informou que após a colheita seleciona as melhores ramas e faz um buraco embaixo de uma árvore, afofa a terra e põe a rama deixando-a em pé, e joga água, a sombra possibilita a umidade preservando até 4 meses as ramas, segundo ele ,, para que não se perca a rama também é possível deixar alguns pés de mandioca para serem arrancados próximos ao plantio, assim não se corre o risco de perca de ramas, disse que antes como o cultivo de mandioca era grande vendia por talhão ou entregava no comércio na cidade em caixas, antes o preço era bom, uma caixa de mandioca chegou a custar 50,00 reais, agora neste ano de 2018 o preço baixou para 20,00 reais a caixa, desta forma mudou a estratégia de venda, agora vende a mandioca cascada, pesada e embalada, para compensar e ter lucro, a queda do preço se deu devido ao grande número de sem terras produtores da mandioca, que vendem por um preço bem inferior no mercado.
Dentre as variedades de alimentos cultivados, faz o cultivo da cana de açúcar em sua roça, muitos comerciantes de garapa vem até a sua residência para realizar a compra, antes fazia muitos doces, como: rapaduras, melado e garapa, mas o calor do fogo não lhe fez bem, então teve que parar, mas ainda tem o desejo de montar os equipamentos de preparos para deixar instalados para os filhos e netos conhecerem sobre o seu trabalho. A cana cultivada não é plantada em um único lugar, após a retirada da cana, prepara com o arado outro espaço para o cultivo, fazendo um rodizio de plantações de cana, visando não enfraquecer o solo, desta forma são cultivadas outras variedades de plantas no lugar; Senhor Fermiano relatou, que quando era mais jovem, trabalhava de segunda á domingo, agora que tem mais idade, já não faz mais isso, pois passou a ter problemas de saúde, por ficar exposto ao sol muito quente e trabalhar muito no solo úmido, realizando o cultivo de arroz, disse que a terra é muito boa para esse cultivo, mas não fez bem para sua saúde, já cultivou soja também, e teve sorte do veneno não lhe intoxicar “Deus o Livrou”, ganhou muito dinheiro, mas não soube aproveitar, agora só os filhos plantam, no entanto, devido a idade avançada, dividiu sua terra em lotes para os filhos, para que continuem o trabalho na agricultura, fazendo o que sempre fez e repassou aos filhos e netos, dividiu o terreno, para não haver divergência entre os filhos e para que trabalhem enquanto tem forças, “porque a vida é assim, trabalhar para a sobrevivência da família, pois quando partir nada poderá levar”, nos parabenizou pela iniciativa em conversar com ele, disse que quando soube que iríamos visita-lo, pensou que não teria nada a nos ensinar, pois não tem estudos, e no final nos ensinou muito, disse que é importante a escola fazer esse trabalho, ensinar as crianças sobre o processo de cultivo para que possam ajudar a sua família, porque agora os jovens não querem pegar no pesado e a lei os protegem, desta forma crescem desinteressados, não se importando com a agricultura, com o cultivo de roças, querem tudo pronto e fácil, Senhor Fermiano é hoje, um homem evangélico, e sempre pede direcionamento à Deus para sua vida e trabalho, está tranquilo agora que os filhos estão crescidos, casados, cada qual com a sua família, agora vai trabalhando da forma que pode, sem pressa, o trabalho na roça é tudo que saber fazer, e faz com sabedoria e amor, antes pensava em ganhar dinheiro, agora pensa em viver a vida, fazendo o que gosta.
Pesquisa e entrevista, realizada pelas professoras e Orientadoras dos Saberes Indígena na Escola/2018: Egizele Mariano da Silva e Edilaine Fernandes de Morais, com Senhor Fermiano Machado e esposa Feliciana da Silva.
Cultivo de cana.
canavial pronto para colheita
comerciantes adquirindo o produto.
Cultivo de hortaliças
O presente relatório nos mostra que as famílias indígenas, buscam garantir a sua sustentabilidade, cultivando alguns produtos alimentícios para o consumo da família como também para revenda.
Egizele Mariano da Silva/2018
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