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Foto do escritorEgizele Mariano

ALBINO NUNES FERNANDES, RELATOS DE VIDA

ALBINO NUNES FERNANDES

Albino aos 33 anos, já era um líder atuante na defesa das causas indígenas, índio Kaiowá, tranquilo, decidido, malicioso e articulador, passou a vida toda morando na reserva Indígena de Dourados, possuía uma família grande, onde todos se conheciam bem, desde criança, frequentou a escola, juntos faziam muita visita, as crianças, filhos, parentes viviam brincando na sua casa, passavam o dia soltos, divertindo juntos, todos os índios kaiowá moravam na mesma aldeia, desde a fundação, sempre foram dessa região, desde o começo da Reserva a família vivia reunida, compadres, a parentada, e entre eles existiam quatro famílias principais que eram muito mais antigas que Dourados; Ensinou seus filhos a falar a língua kaiowá e só conversavam na língua, os filhos e netos aprenderam o português na escola no posto.

Aconselhava, benzia, além de casar as pessoas, orientava a comunidade, ensinava a todos a cantar as músicas indígenas, o general(Rondon) o fez chefe, mas era chefe e rezador, tinha o poder em seus conhecimentos religiosos, afastava os males prevendo o futuro, era chamado de Mbaékuaá, porque era o rezador, sabia de tudo, diferente do capitão da aldeia que o cargo foi imposto pelo branco, o capitão ocupava o cargo até ser demitido pelo funcionário encarregado da administração do posto, o Ñanderú poderia exercer a sua autoridade até o encarregado do posto aceitar, mas o capitão era a mão direita do encarregado.

Os indígenas sempre viveram bem entre si, o kaiowá sempre combinou com outros kaiowás, não havia briga, os Guarani são parentes dos Kaiowá, são irmãos que vieram do Paraguai, são todos índios, já os terena eram um pouco diferente, mas conviviam, pois são índios também, antes havia alguns brancos bons, que não perturbavam muito, faziam trocas, trocaram uma novilha, ensinaram a cuidar dela, e assim faziam com o milho, tinham o leite, se davam bem com certos brancos, mas cada em seu canto.




O AUMENTO DA COMUNIDADE INDÍGENA NA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS

Com o passar do tempo a vida foi ficando mais difícil na Reserva, porque o espaço passou a ser pouco e a comunidade da aldeia estava aumentando, Albino já se preocupava como seria, quando os filhos ficassem grandes e casassem, pois. ele gostaria de mantê-los por perto, como era o costume, com a divisão dos lotes, relatou que dentre três ou quatro anos, não saberia como ficaria a reserva, naquele ano eram mais de cinco mil kaiowá, o espaço não seria suficiente, pois havia as plantações e não caberia tantos indígenas, a reserva estava ficando apertada, a roça diminuindo, o trabalhador não recebia assistência, não era fácil conseguir empréstimo, financiamento, se acontecesse um problema e perdessem a plantação, era difícil de recuperar, a família sempre estava ajudando no trabalho na roça, mas tudo dependia muito das pessoas de fora.

Albino tinha o prazer de morar nessas terras, pois, é onde estava a sua família, os pais, os filhos e os netos, os Kaiowá, podem passar muita necessidade, mas continuam no mesmo lugar, na sua terra, onde nasceu; Percorreu outras Reservas com a igreja católica, atuando em Missão de evangelização, foi até Vitória, no Espírito Santo, viu indígenas que viviam a mesma situação, passando por dificuldades, mas não saiam da sua terra; Disse ainda que se os filhos fossem contar só com a terra do pai, iriam passar necessidade, com certeza, porque não havia muito espaço para plantar, nem incentivos, e além do mais, a floresta havia acabado, nem tatu encontrava mais no mato, e poderia piorar ainda, dizia que o índio que tivesse uma profissão, mecânico, eletricista, pedreiro. teria mais segurança na vida e em vez de ficar passando dificuldades, tendo que ir trabalhar longe para se sustentar, poderia ficar com a família em casa.

Relatou que no começo só tinham três famílias terena que vieram com o Rondon, trabalhar, eles também ajudaram a fundar com os Kaiowás a Reserva e por isso têm direito de viver nela, mas houve tempo, que, quem mandava eram só os índios Kaiowá, os Guarani não têm problemas com os Kaiowás, quase não há diferença, conversavam na mesma língua, com pouca variação, visitavam um ao outro, não tinham problema mesmo, com os Terena não era assim, se quisesse falar com eles tinha que ser em português, nem eles falam o seu idioma, terena e Kaiowá são diferentes, mas para Albino isso não era ser inimigo, antes não era assim, mas depois foi piorando, quando começaram a chegar os parentes dos terena e morar na reserva, foram chegando então começaram as dificuldades, porque começou a aumentar a comunidade na Reserva.





A DIVISÃO DOS LOTES

Naquele ano era mais complicado mudar, não é mais como no seu tempo de criança, quando vieram para a reserva, procuraram o lugar, abriram o mato e construíram suas casas, agora não pode ser mais desse jeito, porque tem pouca área para muitas pessoas, ficou complicado, porque quando um queria dividir seu lote com os filhos crescidos, tinha que ser perto ou poderia até dar problema, sempre tinha alguém que dizia que o lote era seu, assim, a roça ficava pequena, foi por causa do problema da divisão da área que criaram os lotes, para ver se dividiam as terras da Reserva igualmente para todas as famílias, fizeram uma divisa central, que saia numa fazenda lá no fundo e a outra era a do Bororó, dividiram a reserva em duas, e sem briga, cada pessoa recebeu um lote para morar com a sua família, para fazer seu roçado, mas não deu certo, essa divisão criou mais separação, os indígenas continuavam sem a união.

Antes, ter mais ou menos terra, não era uma preocupação, a terra era de todos, as casas ficavam espalhadas, cada um no seu canto e perto da sua família, na reserva moravam bem menos índios que hoje em dia, logo depois todos sabiam o valor de seu lote, criaram cobiça pelos dos outros, então a divisão de lotes não deu certo, não deu e nem vai dar, porque agora tem indígenas que começaram a querer mais e mais, e invadiam os lotes demarcados dos outros.

Famílias passavam necessidade e precisavam de uns trocados, acabavam arrendando a terra, o lote de Albino era de uns quatro hectares e teria que dividir com seus netos, com a doação a família, acabaria tendo que procurar outros espaços, havia uma família terena com mais de vinte hectares, na aldeia Jaguapiru, foram comprando um aqui, um pedacinho ali e tornaram fazendeiro como os brancos, só que dentro da Reserva.










A ALDEIA BORORÓ

A região onde Albino residia se chamava Bororó, onde morava a maioria dos Kaiowá, próximo ao Posto da FUNAI, em torno da escola, por toda área de capoeirão havia kaiowá morando, cada caminho chegava em uma casa de família Kaiowá, as casas eram todas parecidas, atrás tinha a roça, cachorros, umas galinhas, quando os filhos ainda eram pequenos ficavam com a mãe em casa e quando ela precisava sair para fazer compras, visitar os avós, eles iam juntos, depois, quando cresciam, ajudavam o pai, brincavam e iam para a escola.

Morou com seus pais, próximo a casa de Ireno, sua mãe faleceu muito cedo, quando ainda era criança, tinha uns três anos, por isso nem se lembrava dela direito dela, tinha só um irmão, o pai perdeu um pouco o rumo, viúvo novo, ficou sem direção, quando mudaram de lugar, seu pai encontrou uma outra companheira, passou um tempinho se casou outra vez, e começou a vida de novo na reserva, com a família, depois teve outras filhas da segunda mulher, mencionou que estava difícil criar uma família grande, como antes, o espaço era pouco, a vida estava cara.

O único jeito de continuar morando na Reserva, era trabalhando e reivindicando o índio precisava se esforçar, as pessoas da cidade sempre estavam dispostas a ajudar, na prefeitura, no estado, e até o governo federal, lutando se conseguia alguma coisa, por exemplo, construíram um açude para segurar a água, e também pescar, parece que foi o pessoal da universidade que ajudou, sempre estavam na reserva, convivendo com os índios.





A VIDA ESCOLAR

A escola é muito importante para a vida do índio de hoje, afirmava Albino, sempre deu valor para o estudo, mostrou o prédio onde era a escola, que passou a ser um campo de futebol a professora que dava aulas se chamava Maria Luiza Rodrigues, vinha para a Reserva e voltava para a cidade a cavalo, pelo mato, porque não existiam muitas estradas na aldeia, disse que era uma boa professora, quem quisesse, aprendia com ela, havia a classe da primeira, segunda, até a quinta série, Albino, sua mulher e toda a parentada fizeram o primário, e todos os anos Maria Luiza estava pronto para dar aula, era uma batalhadora, sendo lembrada até os dias de hoje, porque era um exemplo de professora.

A escola foi criada pelo pela Missão Caiuá, há muitos anos atrás, para a educação do índio, não servia só para ensinar a falar, ensinava outras coisas como: higiene e saúde, a maioria dos indígenas estudavam só até a quarta, quinta série do primário, era difícil para os indígenas continuarem seus estudos, porque teriam que ir para Dourados, nas escolas da cidade, Albino não continuou seus estudos, seu pai não podia levá-lo até a cidade todos os dias, e se ele fizesse isso, estava arriscando a perder a plantação, além do mais, escola na aldeia era uma coisa e na cidade era outra, e os meninos das escolas de Dourados eram diferentes, tinha que ter livro, sapato, usar uniforme, isso não daria certo para os índios que andavam a pé ou de bicicleta, mas a cidade era longe para chegar sem atrasar todo dia, se atrasava não conseguia acompanhar os outros, iria mal na prova e até encontrar amizade na classe era difícil e o índio acabava perdendo o interesse, começava a faltar, faltava um dia, depois outro, até parar de vez.

Agora, precisa ter recursos para pensar no futuro da família, porque o jovem não queria mais ficar na aldeia, iria trabalhar fora para comprar a roupa e o calçado que estava querendo, mas, se o pai tivesse um pouquinho de mandioca que dava para vender, ou uma criaçãozinha, comprava um sapato melhorzinho para ele e colocava na escola para estudar, para ver se com 17, 18 anos já tivesse algum compromisso, alguma profissão para trabalhar de outra forma, era importante ter uma profissão, porque a aldeia estava ficando pequena, estava difícil tirar o sustento para a família só da plantação, enquanto não tinha incentivos agrícolas para os índios, Albino só trabalhava na roça, nos fins de semana, todos os dias trabalhava na cidade, arranjou um emprego de vigia numa casa em Dourados, ia e voltava de bicicleta, trabalhava oito horas e ganhava um salário mínimo, dava para aguentar, porque não pagava imposto, nem aluguel, mas mesmo assim era pouco, dentro de sua, casa não tinha quase nenhum conforto, porque não tinha rede de energia elétrica na Reserva, sem rede não dava nem para comprar televisão, para assistir nas folgas, e a sua situação ainda era boa comparada às de outras famílias kaiowás da aldeia.




O CAPITÃO KAIOWÁ

O capitão sempre era kaiowá, mas depois, começaram a vir os parentes dos Terena e o espaço foi apertando cada vez mais, até que o Ireno resolveu dividir a capitania, dividir para ajudar, para que cada um cuidasse dos próprios problemas, dizia ele, então, ficou um capitão para cada lado: um no Bororó, e outro no Jaguapiru.

Naquela época parecia que na Bororo estava bom, porque o capitão Carlito, Kaiowá, era amigo do Biguá, que cuidava do lado do Jaguapiru, e assim as coisa estava indo e mesmo que o problema não se resolvesse, estava mais controlado, o ruim é que entre os índios uns eram ricos e a maioria eram miseráveis é claro que não dava para resolver tudo, porque os que juntam mais terra iriam ficando mais poderosos, a ponto de todo se calarem, ficavam quietos por medo de sofrerem ameaças, mas Albino estava confiante com os capitães Kaiowá.

A família dos Fernandes fizeram dois capitães nesta Reserva, um era avô e outro era tio de Albino, Ireno tinha ficado, na época, no cargo sob as ordens de Rondon, ficou, mas não fazia reivindicações como deveria e foi deixando a aldeia cada vez mais em dificuldades, o avô Fernandes de Albino decidiu entrar para trabalhar com o Ireno, assumindo o posto de vice capitão, e tudo melhorou muito no entanto só saiu quando faleceu, deixando o filho dele em seu lugar, continuando o trabalho, todos gostaram, depois que seu tio também faleceu, ficou só o Ireno de novo, até que passou o mandato para o Carlito, que antes foi casado com a filha dele, depois que eles se separaram o Carlito ainda continuou como capitão.

Na aldeia também havia os conselheiros, que eram autoridades, depois do capitão, havia indígenas que não gostavam deles, reclamavam dizendo que eles aprontam muita bagunça, nunca houve problemas, quando apareciam na aldeia Bororó, sentavam para conversar, falavam qual era o problema e se dava para ajudar, ajudavam, se não, paciência, quem criou o conselho foi o Ireno, há muito tempo, para tomar conta da Reserva, era como a polícia, diziam que o conselho era uma polícia de índio, a função é quase a mesma, uns mandavam mais, outros menos o capitão é quem controlava, mas tinha sargento, cabo, até soldado, cada um com sua autoridade,

No começo foi bom e até funcionava, mas com o tempo começaram a abusar do dever que tinham, para se beneficiar e como a FUNAI dizia, que os problemas de dentro da aldeia eram responsabilidade dos indígenas, que tudo deveria resolver entre indígenas, passaram a prender, o capitão e seus conselheiros passaram a bater e até mandar embora da aldeia, mas aos poucos os indígenas foram procurando a justiça de fora, se informando, e agora quem está cuidando da maioria dos casos é a polícia de Dourados, então, por exemplo, se o capitão achava que alguém deveria ser mandado para fora, precisava pedir e receber autorização antes, desta forma a pessoa tinha que sair,, vai para a justiça se precisar, cumpre a pena fora, sai da aldeia, fica preso, mas quando era solto poderia voltar, antes não era assim, principalmente na Jaguapiru, mas naquele ano se o índio fazia alguma coisa, espancavam e depois ainda tinha que ir trabalhar na roça dos outros de graça.


A TERRA PARA OS KAIOWÁ

Os Kaiowá acreditavam que a terra foi dada por Deus e o agradecia, dançando a chicha, antes havia várias Chicha: 1-bebida fermentada feita à base de milho.2-Dança da chicha: 3-ritual religioso comemorativo, que envolvia a ingestão da bebida, acompanhado de uma dança com coreografia especial, 4 -antigamente a chicha era um jeito de rezar, de falar com Deus, hoje não é mais assim, 5-agora a chicha é uma dança igual à dos brancos tem até pinga, quando se dança, a colheita, a partida, o aparecimento de qualquer fenômeno inesperado, eram motivos para rezas, danças e rituais.

Albino plantava em sua lavoura, um pouco de mandioca, de milho, tinha uma criaçãozinha, uns franguinhos, uns porcos, era o que tinham, aos nove anos, Albino foi trabalhar fora da aldeia, nas fazendas, era criança ainda, mas não dava para ficar na sua casa, não gostava, quando parou de estudar teve que ir com o pai para a roça ficava lá todo o dia, e depois voltava para casa, trabalhava muito e no final não tinha nem um trocadinho para sair com seus amigos, se divertir um pouco, relatou que é por isso que os pais só conseguem segurar os filhos até uns 12 anos, depois, eles querem comprar algumas coisas, um sapato melhor, matar uma vontade de passear e se o pai não tem dinheiro, o jeito é sair de casa e ir trabalhar na fazenda, tentar ganhar um pouco mais.

A moçada da reserva costumava casar cedo, tinha 17 anos quando amigou, mas a maioria se casava bem antes, com 13 até 12 anos, com 33 anos já era avô, de 14 netos, filhos de suas três filhas, criou três filhas da sua mulher de outro casamento, viveu juntos 16 anos, e ainda tinha filhos pequenos, os filhos foram registrados na FUNAI, dentro da aldeia, tinha que registrar para o filho ter direito à terra, ao lote da família, então se tiver algum problema poderia fazer exigências o registro de fora era mais complicado, mas tinha vantagens, poderiam tirar a carteira de trabalho, de identidade e outros documentos.

Albino não sabia qual deveria ser o papel da FUNAI na aldeia, se era só para garantir as terras, porque não davam assistência que a comunidade estava precisando, se tivessem incentivo, ficariam cuidando de sua lavouras, plantando, porque era o que sabiam fazer, precisou de outro emprego na cidade, e guardava o dinheiro para melhorar a roça, aumentar a lavoura para dar mais tranquilidade para a família, em suas lavouras não plantavam para vender o que semeavam era só para a subsistência, era melhor garantir a alimentação, os mantimentos dentro de casa, do que plantar uma coisa só, sem auxílio, ainda mais, porque o espaço era tão pequeno e precisaria de transporte, veneno para as pragas e essas coisas só os fazendeiro grande que tinham na reserva, mas quando sobrava uma raiz de mandioca ou uns milhinhos, sempre havia um pessoal da cidade que vinha para comprar, ou eles vinham , ou levavam lá, a nossa preocupação inicial é a subsistência, mas o sonho que tinha, era de plantar o suficiente.


O KAIOWÁ E O TRABALHO NAS FAZENDAS

Nas fazendas de cana, a vida era dura os indígenas kaiowá ficavam longe da família, dos amigos um bom tempo, e o que se ganhava não dava para comprar quase nada, o trabalho era cansativo, não era fácil ficar longe da aldeia, Albino sem a sua família perdia o rumo, porque não estava acostumado a ficar sozinho, desde pequeno tudo que aprendera a fazer era junto com o pai, com os irmãos, depois saiam para as fazendas era difícil voltar, tinham que esperar até a época do fim do contrato para pegar o ônibus e poder vir para casa e se saísse da fazenda sem dar baixa no contrato, não conseguia mais sair para trabalha de novo, só dentro da aldeia, porque fora ficava marcado, era trabalho e mais trabalho, devido a isso se dizia nos postos indígenas que a changa estragava os índios, que deixavam a lavoura, porque no erval recebiam o fornecimento antecipado, embora por preços exorbitantes, inclusive os produtos da roça, como batata, milho, mandioca e feijão, chegavam a passar semanas nos ervais ganhando bom salário, mas que nada sobrava.

Era dureza para o índio se adaptar na fazenda, principalmente para o Kaiowá, que vivia agarrado à família, para Albino isso era um problemão, porque, quando a rapaziada ia trabalhar fora, tinha que ficar até o fim, e os companheiros terminavam na maior liberdade, a bebida era fácil, bebiam à toa, e logo alguns se arrumam com uma amiga por lá, começavam outra vida diferente da aldeia, tinha a sua própria experiência de juventude, quando foi perseguido por autoridade e preso uma vez, uma confusão qualquer podia dar em cadeia, na reserva ou nas fazendas, era só querer aprontar, mas não tinha culpa, estando solto assim no mundo, iam aos bailes para se divertir com os amigos, dançavam, conversavam e acabavam procurando bebidas alcóolicas, incentivado pelos outros, tinha que beber, porque senão os companheiros tiravam sarro, perturbavam.

Albino era mais devagar que os outros, e mais moço também, quando foi preso, estava numa festa aqui na aldeia, um companheiro arranjou a confusão, aprontou com alguém e saiu fugido, não era culpado, mas como eram do mesmo grupo, mas, o parceiro criou o caso e não assumiu as consequências, aprontou e deu no pé, fugiu, então foi preso no lugar do parceiro dele, só porque estava junto na hora do barulho, teve que passar por todo o processo, foi para a delegacia, ficou uns dias, depois soltaram, mas apesar disso não achava errado que castigassem quem fazia bagunça, se não castigasse dariam mais prejuízo.

Foi para as fazendas, por causa do salário, na época, foi com muitos outros companheiros, para ir o salário era combinado, assinavam o contrato e no dia marcado, bem cedo tinha que ir, ficavam trabalhando o período acertado no contrato, que podia ser até noventa dias, e quando voltava parava um pouco em casa e já voltava de novo, a maioria acostumavam, ficar fora e continuava trabalhando fora, e por fim não conseguiam mais voltar, a família também não gostava daqueles hábitos que se criavam fora, de beber, bagunçar e se o pai chamava a atenção, acabavam brigando, hoje, os que saem estão preferindo as destilarias, mais do que as fazendas, as destilarias de álcool da região estavam cheias desses meninos da aldeia.


OS SUICIDIOS NA ALDEIA

Longe da família os índios perdiam a responsabilidade, era só trabalho, tinham uma coisinha ou outra, um dinheiro para comprar um rádio e gastar por aí nos bares, o que era ruim, então, eles diziam que não tinham nada a perder, e continuavam sem ter nada, trabalhavam por pouco, muito pouco pagamento; Tinha pai que forçava o filho a se casar ainda muito novo, porque queriam segurá-los perto da família, pensando assim que a vida dele mudaria, que criariam mais responsabilidade em vez de ficar por aí, mas não tinha muita conversa, arrumavam o companheiro ou a companheira, tinha a cerimônia e logo iriam morar juntos com a família, eles construíam a casa dentro do lote de uma das famílias e começavam a vida, logo depois vinha o primeiro filho e tinha que plantar mais, vinha o segundo e chegava uma hora que apareciam os problemas, faltavam as coisas dentro de casa, a terra era pouca, tinham que passar o dia na roça, era difícil, haviam muitos suicídios que aconteciam depois de brigas devido a essas situações.

Albino acreditava que a causa principal dos suicídios na aldeia era o alcoolismo, os capitães achavam que não, Albino tinha muitos parentes que morreram, sobrinha, tio, todos estava alcoolizados na hora de praticar o suicídio, eles bebiam e ficavam com raiva, brigavam em casa e decidiam por fim na vida, mas precisavam do álcool, teve até o caso de uma parenta que disse para o seu irmão que estava para se matar, o marido dela tinha morrido fazia pouco tempo, e nem tinha dado para enterrar ainda, ela ficou atormentada com aquilo e começou a enfraquecer a ideia, dizia até que era por causa do marido morto, que às vezes podia ver ele de verdade, que não conseguia esquecer, tirar ele da cabeça, passou um dia, dois, e nada de melhorar, até que ela tomou muita bebida e no dia seguinte a encontraram morta, se enforcou a noite, no caminho de casa, seu irmão ainda falou para não pensar nisso, mas ela não aguentou.

Mas, em geral a situação iria se apertando, porque não tinha comida para todo mundo, os filhos saiam de casa, os problemas iam acontecendo, e se não melhorava um pouco, o índio começava a pensar em findar a sua vida, era só ter uma discussãozinha dentro de casa que já era motivo, quando tinha briga, o indivíduo ficava desgostoso com a vida e não aguentava mesmo, então se acontecesse alguma coisa, logo iria se matar, não pensava, porque estava nervoso, até a reportagem foi conversar com um índio ele tinha tentado se matar, mas um vizinho correu e salvou, na hora em que foi se suicidar, o cara estava muito nervoso, porque os filhos não tinham mantimento em casa e a mulher ficou reclamando que precisava conseguir comida, roupa, essas coisas, até hoje ele está por aí, ainda passando dificuldades daquele jeito, mas levando a vida.

Nem sempre, quem se matava, estava bêbado, mas, quando era examinado a história, a morte sempre tinha alguma relação com a bebida, por exemplo: a última menina que se suicidou na sua aldeia, não tinha consumido nada, mas o pai dela tinha e enquanto estava naquele estado, a entregou a um rapaz que ele gostava, então ela ficou aborrecida, porque não queria se casar, saiu de casa e se enforcou sem ninguém ver, o pai forçou a vontade dela, mas estava errado, os jovens de hoje são diferentes, não aceitam mais o jeito dos antigos.

Naquele tempo havia muito rapaz e moça se suicidando, isso era resultado da falta de recurso e de futuro, a família não tinha como se sustentar, filhos precisavam sair para a fazenda ou para a destilaria, quando voltavam, não sentiam obrigação em ajudar o pai, e além disto já aprendiam a beber e começavam a ficar bêbados a qualquer hora, não assumiam mais responsabilidade, não trabalhavam direito, e acabavam sem saber o que fazer, a situação só piorava, se o jovem ia para a escola, estava se educando, ou ficava na aldeia ajudando na lavoura, se não quisesse trabalhar na Reserva, precisava arrumar emprego na cidade, não teria problema se ele tinha frequentado a escola, tendo uma obrigação e podendo trabalhar para sobreviver, ficava mais fácil de evitar briga dentro de casa, então, o começo estava na educação mesmo, segurar os filhos em casa e mandar para a escola.


A REZA

A religião era diferente, tinha cantos, danças, o povo participava, quando reuniam para rezar era concorrido, mas agora é fraco, na época que eu era criança sempre rezávamos com os mais velhos, com os pajés, as pessoas importantes da família se juntavam, principalmente nos fins de semana, e faziam o culto; Havia também situações especiais para se fazer a reza, quando alguém estava doente, por exemplo, tinha uma pajé que vinha para tomar conta, e não era qualquer um, para cada problema tinha uma pessoa, esse pajé trazia as ervas do mato e rezava, até o índio sarar, hoje, quando alguém fica doente, já estão preferindo levar para o hospital da Missão ou para o posto médico, em vez de fazer reza, entre as rezas de Kayová, uma há de que se lança mão para matar animais daninhos, cantavam o porahêi uma melodia, ligados a movimentos rítmicos de dança,

Ñanderú é cacique em guarani, mas não existiam mais na reserva, a FUNAI trouxe alguns do Paraguai para fazer as danças antigas dentro da tribo, diziam que era para diminuir o número de suicídio, mas Albino não aprovava, nem acreditava neles, desde que eles vieram, em janeiro, faleceram a sua sobrinha e o marido dela, e ainda outra menina que morava próximo, relatou que a solução era trabalhar ter obrigação, dizia para as pessoas, elas tinham que ter uma preocupação, pensar no futuro, a reza não iria resolver a fome da aldeia, nem a falta de terras, nem problema nenhum, então como acabaria com os suicídios, teriam que não trabalhar duro, e não ficar esperando a dança resolver o problema.

Pajé rezador ainda tinha, encontravam um ou outro na aldeia, mas cacique não tinha mais na aldeia, só os capitães mesmo, pajé tem, mas não como antigamente, contou de um caso acontecido dentro da sua família com o marido de sua irmã, Foi há um tempo atrás, ele vivia pensando nesse suicídio por enforcamento, ficava só falando nisso toda hora, mas ainda não tinha tentado, por isso, sua irmã resolveu chamar um pajé chamado Paulo Tangará para benzer quando ele veio, fez uma dança na frente da casa deles, rezou, fez seu cunhado chegar, mandou ele sentar todo mundo estava afastado em roda e só eles dois no meio, rezou, rezou, rezou e no fim, tirou - na frente da gente - uma corda de dentro do meu cunhado tirou e mostrou para todo mundo ver e isso é verdade mesmo, depois disso o cunhado ficou curado, e está bem até hoje.

Mas o Paulo Tangará havia falecido e não sobraram mais rezadores assim, por isso as pessoas estavam preferindo ir até a missão, Antigamente, os pajés rezavam e mostravam o serviço de cura, então, a religião como era antes não existe mais por esta Reserva, mas em outras aldeias ainda havia; Uma vez, no município de Bela Vista presenciou outra cura desse jeito, há pouco tempo, um homem estava com um problema nas costas e não estava dando nem para ele andar direito então os pajés fizeram as orações com todos juntos, parecido com a outra vez do Paulo Tangará, fizeram lá o culto deles e acabaram tirando do lugar doente uma espécie de um besouro, as duas vezes aconteceram a noite, que era o horário certo de rezar, e quando eles encontravam o problema, tiravam e mostravam para todos verem, os dois sararam, queriam poder levar o povo para os pajés curarem, mas não existiam mais pajés assim aqui em Dourados, teve até um caso, há muito tempo que deu certo, mas o doente teve de ser carregado até a casa de reza e foi está curado,

A família de Albino frequentava o culto com o pessoal da Missão, da igreja presbiteriana, rezavam juntos, ouviam o sermão também, fizeram parte da igreja batista, a maioria dos participantes da igreja batista eram índios, principalmente Terena, porque o prédio ficava do lado da terra deles, e o pastor também era terena, As igrejas sempre ajudaram a Reserva, principalmente os metodistas e os presbiterianos, foram eles que trouxeram a escola, o hospital e ainda ajudavam a comunidade plantar, a limpar o terreno, capinar, semear no tempo certo, foram a única ajuda que os indígenas não precisaram pedir nem reivindicar, por isso todo mundo lembravam deles, O reverendo Orlando e a dona Loide, mulher dele, batalharam demais pela reserva, batalharam vivendo com a Missão de perto os problemas do índio, Hoje, a maioria das pessoas, quando ficam doentes, vão para o hospital deles, Preferem o tratamento dos médicos mais do que as rezas do pajé e as ervas do mato, que eram nossos únicos remédios antigamente

Mas agora, os dias estão difíceis mesmo, há pouco tempo quem mais ajudava era a igreja metodista e a missão, mas não está dando mais para eles fazerem como antes, não estavam ajudando tanto, mas não podiam ficar parados por causa disso, senão as coisas pioravam, os metodistas e os presbiterianos eram o principal apoio, deram educação e saúde, reconheciam o que eles fizeram, mas era hora de trabalhar, para mudar a situação.




O MUTIRÃO

Albino estava trabalhando para fazer um mutirão na aldeia, um mutirão que chamavam de projeto agrícola, mas funcionava da mesma forma, todos iriam junto nos fins de semana para cada lote das famílias que faziam parte, e trabalhavam sem parar na mesma terra, até ela ficar pronta, dentre uns dois ou três anos, não tiveram nenhuma ajuda da FUNAI, o problema maior era agrícola, não sabia quem tinha que dar essa assistência, porque a FUNAI havia orientado a realizarem esse tipo de trabalho, mas nem eles assumiram a responsabilidade.

O projeto agrícola, só continuou funcionando, porque os indígenas foram reivindicando, tiveram que encontrar apoio fora, com o governo, os deputados, a prefeitura, até as igrejas continuaram ajudando no que podiam; Primeiro, trabalharam sem assistência nenhuma, só com a enxada e olhe lá, porque nem todo mundo tinha, então viram um trator encostado na igreja metodista, reuniram o pessoal e chamaram o capitão, explicaram o caso e ele gostou e o Carlito foi conversar com os pastores, conversando conseguiram o trator, só que estava quebrado, então tiveram que sair procurando entidades, começaram indo atrás das coisas por aí, pelo jornal, na universidade, até que falaram com uma pessoa que trabalhava no estado, e conseguiram um pouco de ajuda que já deu para consertar um pouco o trator, que passou a funcionar, mas não perfeitamente, estava trabalhando devagar, mas já era um começo.

A comunidade trabalhava durante toda a semana para fora e, nos fins de semana, se encontrava sem falta, estavam gostando do mutirão, porque começaram com uns doze trabalhadores e outros indígenas foram achando bom o trabalho, então aumentou para quarenta pessoas, decidiram não deixar mais gente entrar, até que tudo ficasse organizado, o mutirão ‘o movimento dos 40’ como ficou conhecido, estava crescendo muito rápido e se crescesse demais iria comprometer o trabalho na cidade, mas o pessoal achou bom e muitos queriam entrar, tinha até quatro famílias terena pedindo para participar, esperavam ver se daria certo com quem já estava, o trabalho era difícil, porque eram muitos habitantes na reserva, se não quiserem trabalhar sério e só aparecesse na roça quando fosse a sua vez, se acontecer isso, logo terminaria, porque os que estiverem trabalhando duro, não vão ficar perdendo tempo roçando à toa para os outros.

Albino estava organizando o mutirão, quando vinha alguém para conversar, convocava os outros, dizia ser quase meio cacique, porque estava representando o grupo, sempre que precisavam encontravam um político, uma entidade, qualquer pessoa, fez uma entrevista à TV que rendeu muita ajuda, mas acreditavam que a situação iria ,melhorar aos poucos tinham que esperar para ver o que aconteceria esperar e trabalhar porque para as coisas de graça teriam que ter paciência, conversaram com a prefeitura e eles concordam em ajudar o mutirão, mas entrando só com a mão-de-obra, por exemplo, se o trator quebrasse eles consertariam, mas quem pagaria as peças seria eles, para essa reserva de dinheiro, no fim da colheita cada um daria uma contribuição, mas ainda não tinham plantado nada com os quarenta, começaram a preparar algumas terras, mas a colheita era só depois, e enquanto isso tinham que continuar reivindicando para comprar as peças, as sementes, senão acabariam perdendo o trator, a igreja metodista passou o trator para o nome do grupo, onde todos pudessem fazer uso.

Há uns dois anos atrás, quando estavam só começando, eram 12 pessoas para trabalhar só nos fins de semana, funcionava mais ou menos do mesmo jeito: cada um dava um pouco do seu dinheiro para comprar as coisas que precisava, até o almoço na hora do trabalho todo mundo ajudava, na época chamava de “milão”.os doze davam e no final eram 12 mil para fazer as compras, acreditavam que esta forma de trabalho daria certo, esperavam que outros também trabalhassem assim, dizia que assim o índio teria futuro.




Produção textual elaborada pela professora Egizele Mariano da Silva/2020, baseada nas falas do Senhor Ireno Isnarde da etnia Kaiowá, residente

na Reserva Indígena de Dourados desde o início de sua criação, falas presentes na obra Canto de Morte Kaiyowá de José Carlos Sebe, Bom Meihy,1991.


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