DOCUMENTÁRIO ESCRITO CONFORME FALA DE IRENO ISNARDE -Reserva Indígena de Dourados-MS
A CAPITANIA
O cargo de capitão da Reserva de Dourados, foi criado pelo próprio Rondon, no início funcionava como uma função semelhante à de intérprete, sendo responsável pela comunicação entre o grupo e as autoridades (SPI e FUNAI), O capitão era selecionado pela sua capacidade e por dominar a língua portuguesa, depois passou a ser utilizado como um meio de intervir na política interna do grupo, o capitão deveria facilitar as relações do grupo com as autoridades, tudo passava por suas mãos, tinha o poder e nem mesmo o cacique poderia competir, o mesmo deveria fazer a tradução da língua guarani para a língua portuguesa.
Ireno era o índio mais velho da Reserva, foi escolhido pelo general Rondon, tornou-se capitão da aldeia, antes o chefe era chamado cacique, mas depois mudou para capitão, cacique estava relacionado ao índio puro; capitão nome criado pelo SPI; A capitania só passou a existir depois que os brancos chegaram, com o passar dos anos, cacique e capitão passou a ser a mesma coisa, Segundo Ireno, antes não havia necessidade de chamar cacique de capitão, era cacique e todos respeitavam, e com o passar do tempo o povo da reserva foi perdendo o costume, e o capitão passou a resolver tudo; Ireno sempre atuou como capitão, mas houve épocas em que dividiu a capitania com outros índígenas, sempre foi responsável pela aldeia Bororó, pois para os kaiowá o chefe tinha que ser kaiowá, dividiu a capitania primeiro com o índio Narciso Daniel, depois com o Ramão da etnia terena, que atuou na Jaguapiru, depois tiraram o Ramão e no lugar dele entrou o Biguá, no Bororó atuou Carlito, genro de Ireno.
Além dos capitães existiam os conselheiros e existem até hoje e são ajudantes e auxiliares da capitania, são escolhidos por alguns indígenas, para tomar conta da comunidade, conversavam quando havia algum problema, discutiam as coisas importantes, após, reuniam com o capitão para acertar tudo, no entanto dentro da Reserva, mandavam os capitães e conselheiros, e ainda havia o chefe do Posto da FUNAI, chefe da polícia federal, o prefeito e as pessoas da Missão, todos não índios, que ajudavam nas ações na reserva; Aos poucos a comunidade foi aumentando, havia muitos brancos morando na Reserva, mesmo não tendo documento, o índio tinha o documento dado pela FUNAI para morar na reserva, havia muita roça de branco, os indígenas não aceitavam, porque causavam muitos problemas, mas os brancos não respeitavam, os ndígenas acreditavam que não daria certo, viver índio e branco juntos, por isso queriam que saíssem da reserva.
Com passar dos anos o período de capitania mudou, outros capitães não davam conta de cuidar da aldeia, o Conselho não estava conseguido agir, Ireno mencionou que seu conselho era formado por pessoas de várias regiões da aldeia, conversavam muito, mais depois ficou complicado, os capitães novos passaram a usar a força, a palavra não valeu mais nada, abusavam da autoridade de capitão, quando alguém fazia algo errado, eram castigados, apanhavam e trabalhavam machucados, carpindo estrada, ou ficavam na cadeia no Posto, Ireno não concordava com essas ações, dizia ser muito perigoso, porque cadeia era coisa de branco e não tinham a lei dos brancos para resolver o caso, quando um índio era preso todos ficavam sabendo, a comunidade inteira se deslocavam para o posto para falar com os capitães, outro problema enfrentado pela capitania era a bebida alcóolica, o chefe do posto da Funai permitiu o índio montar o bulixo, motivo de discórdia, pois poderiam começar a vender bebidas alcoólicas dentro da aldeia, surgindo as brigas, as mortes, a aldeia passou a chamar a atenção, as pessoas queriam saber, porque os indígenas estavam morrendo.
IRENO E A SUA FAMÍLIA
Ireno tinha dois filhos vivos e teve mais dois que faleceram por motivo de doença, porque naquele tempo não havia a Missão, o outro filho se suicidou, relatou que foi muito triste a morte de seus filhos, naquele tempo a situação não estava boa na reserva, logo depois a família passou a viver por perto, os filhos e netos moravam próximo a sua residência, cada um que casava, fazia um apartado, e aos poucos tudo iria se arranjando, todos amigos, moravam em volta, ao casar, casavam kaiowá com kaiowá de famílias diferentes, eram poucas famílias, mas todas, tinham bastantes filhos, a família Isnard eram uns cinquenta, moravam mais ao fundo da reserva, havia os Gonçalves e os Nunes, para casar o índio escolhia a esposa e iria se acertando, Ireno se casou , Ramona, segundo ele, era muito bonita, moça guapa, casaram novinhos, tinha 17 e ela uns 12 anos, era moço novo bonito e forte, ficou casado com ela, a vida inteira seu pai lhe aconselhou, se casar é para ir até o último dia, seguiu o conselho, as pessoas da família casam, sempre vem morar na reserva, como seu neto, por exemplo, casou no Paraguai com uma índia Guarani veio embora e fez a sua casa na aldeia Bororo.
Relatava que o povo indígena não sabia mais as tradições, eram poucos os que se interessavam, Ireno sabia, cantava e benzia as pessoas quando tinham problema de saúde, quando eram coisas pequena procuravam resolver na reserva mesmo, mas se era coisa complicada eram encaminhados a Missão, mesmo assim cantava e rezava, as crianças não nasciam mais em casa, passaram a nascer na missão, apesar de ter muito indígena que era parteiro, tanto mulher quanto homem, mas o índio passou a ir ao hospital; Ireno e a sua família eram presbiterianos, desde o tempo da Missão, seguiam a igreja, porque queriam, não porque eram obrigados, rezavam muito e estavam entregues para Jesus, iam nos culto todo domingo, agora há outras igrejas na reserva, cada indígena escolhe qual quer seguir.
IRENO E A PRODUÇÃO DE ROÇAS
Segundo Ireno a produção era pequena vendiam no mercado, faziam o bulixo, o que sobrava de suas plantações levavam no comércio na cidade ou passavam de casa em casa vendendo, pois eram poucas os produtos para venda, levavam um pouco de mandiocas com o dinheiro que ganhavam compravam coisas para abrir mais a roça pequena que tinham, não dava para índio guardar dinheiro, tudo o que entrava tinha para onde ir.
Na roça trabalhavam só em família, todos ajudam um pouco e não faltava nada de fora, o indígena trabalhava plantando mandioca, batata, cana, banana, amendoim, usava a terra para plantar alimentos, não para outras coisas, entre os Kaiowá e os Ñandéva do Sul do Mato Grosso, o milho tinha dois tipos: o saboró que é tradicional, sagrado, e o milho duro, vinha de fora, servia para vender, com o saboró faziam a pamonha assada muito boa, a lavoura do milho seguia um calendário, como: em maio, a roçada, de maio a junho, a derrubada da mata virgem; em agosto, a queima; de agosto a outubro, o plantio; de março em diante, a quebra, esse é o calendário para o milho duro, destinado à venda, o milho mole, saboró, era colhido desde o começo do ano.
Dizia que naquele tempo o indígena era rico, porque tinha muito bicho do mato, mas agora acabou, porque nem o passarinho tem mais, hoje, no lugar do passarinho, criava-se galinha, pato e porco, naquele tempo tinha, mas a Reserva tornou um lugar apertado para tanto índio e para a família dele, tem muita gente, até pessoas que não são indígena naquele tempo a vida do indígena era a produção de uma rocinha, uma criação pequena, cuidam do pouquinho que havia lhe restado, isso para aquele que tinha permanecido na sua terra, segundo ele o indígena deveria ficar na reserva tomando conta do que era seu, mas nem isso quiseram fazer, agora a vida na reserva não é como antes, tem coisas boas do branco que o índio quer, mas tem coisas ruins dos brancos que atrapalham muito a vida da família do índio, então precisa trabalhar, plantar, vender, compravam vaca para dar leite e assim iam vivendo, relata. Os índios guaranis e kaiowás sofreram muito com a guerra do Paraguai, com o trabalho nos campos de erva, existia muita erva mate natural da reserva que o branco sempre negociava e os índios a conheciam, eram os Kaiowá que trabalhavam na colheita, plantavam, colhiam e transportavam o mate, foi o mate que chamou o branco para a Reserva, por isso o mate era importante para o branco, para o índio o mate sempre foi precioso, índio vivia com o tereré na mão, tereré e milho eram as coisas que o índio sempre cuidava.
Produção
Foto de Ireno Isnarde
elaborada pela professora Egizele Mariano da Silva/2020, baseada nas falas do Senhor Ireno Isnarde da etnia Kaiowá, residiu na Reserva Indígena de Dourados desde o início de sua criação, falas presentes na obra Canto de Morte Kaiyowá de José Carlos Sebe, Bom Meihy,1991.
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