KUNUMI PEPY: A FESTA DO TEMBETÁ
A festa do Tembetá, não era realizada no Brasil desde 1975, no final de maio e início de junho de 1989, aconteceu na Aldeia Panambizinho, localizada a 16km de Dourados-MS, no distrito de Panambi, era a festa das festas dos Guarani Kaiowá, a festa do Tembetá ou como a comunidade denominavam de KUNUMI PEPY. Na língua Kaiowá, Kunumi significa:menino, pepy: convite ou festa, no entanto Kunumi Pepy:significa a festa de iniciação dos meninos.
Na festa, 19 meninos e adolescentes das aldeias Panambizinho e Lagoa Rica, e aldeias vizinhas, tiveram a sua iniciação, um ritual para a realização da perfuração de seus lábios, para colocar o Tembetá, no dia 20 de maio de 1989, indígenas de várias aldeias do MS, compareceram a cerimônia, a festa fazia parte de uma revitalização cultural da etnia kaiowá, a última vez que havia acontecido no Brasil foi em 1975, quando 7 adolescentes foram batizados, no ano anterior ocorreu uma festa idêntica no Paraguai, segundo o Indígena da etnia Kaiowá, Valdomiro Aquino, um dos organizadores da Festa, relatou que não era fácil preparar a cerimônia do Tembetá, pois exigiam tarefas que muitos não estavam dispostos assumir, alguns indígenas, não queriam mais furar o lábio e outros segundo o costume não podiam fazê-lo, porque o pai não teve o seu lábio perfurado, no momento a festa era uma necessidade cultural e uma exigência étnica, se uma pessoa tivesse muitos filhos sem serem perfurados, poderiam acontecer muitas coisas ruins, como: ’’ficar violentos quando crescerem e querer matar os outros” aquele que não tinha o lábio perfurado não era considerado um legítimo Kaiowá, usava o nome mais não era, o Tembetá era o registro dos Kaiowá, quem a tinha, passava aparecer como o Nhandejara (Deus), que segundo os relatos indígenas, tem o lábio furado; Paulito Aquino dono da festa no Panambizinho, se referia a festa como um batismo.
KUNUMI PEPY: A FESTA EM 1989
A ideia de fazer o Kunumi pepy, surgiu em 1987, dois anos antes, por Valdomiro Aquino, pois sabia da importância de que o Kaiowá legítimo tinha que ter o lábio perfurado, após repassar para a comunidade, decidiram realizar a festa, em 1988, começaram os preparativos, no qual durou cerca de um ano, porque tudo deveria ser pensado com antecedência, era preciso organizar cada detalhe importante da festa, como a construção da casa, o plantio das roças, principalmente do milho branco Avati-moroti, para fazer a chicha, como não havia a casa grande, tiveram que construir, em um período de seis meses, enquanto construíam, as mães deixavam crescer seus cabelos e preparavam as vestes dos meninos: ponchitos:(um ponchinho de algodão cru) chiripa:saiote de algodão cru, chumbe: faixa colorida, tecido com linha de algodão, branca e vermelha, usada na cintura, Jeguaka´i: tira para a cabeça, feita com a linha de algodão, enfeitada com penas amareladas de tucano, poapykuaha:(pulseira trançada com os fios de cabelos da mãe) e Jehasafa(colares feitos de contas brancas e pretas cruzadas no peito.
Finalizando a construção da casa, iniciou a reclusão dos dezenove meninos que participariam do ritual, mais ainda era preciso providenciar o Tembetá o Apyka, banquinhos feitos de cedro, onde os meninos sentavam para a perfuração, os Yvyra´i três paus para colocar atrás do apuka os Yvyranhã e, cochos de cedro para fazer a chicha havia uma reza para cada situação e quem realizasse a tarefa deveria conhecer, como: a reza para achar o cedro, para pegar o cedro, outra para cortar, e outra reza para trazê-lo até o local, da construção. O urucum estava pronto para pintar os rostos e os apyka, e mais outras coisas necessárias ao bom funcionamento do cerimonial.
Antes da cerimônia, os meninos ficaram isolados na casa de reza, período chamado de Jekoaku, sem o contato com o não indígena, momentos para aprender o ritual e os mitos da comunidade Kaiowá, rezavam e dançavam com seu pais e instrutores, dois meses antes, não podiam, comer carne, nem gordura de gado, só peixe e cereais, o açúcar e o sal também eram proibidos, nos últimos dias, antes da perfuração do lábio, cada menino tinha os seus utensílios, para comer e beber, confeccionados pelas suas mães.
Os meninos acompanhados de seus pais, de Paulito e sua esposa passaram a morar juntos na casa de reza, as duas da madrugada todos começavam a rezar com cantos e danças, auxiliados pelo mbaraka(chocalhos) e Takua(taquaras) os principais instrumentos usados nos rituais, para cada atividade envolvida no ritual, desde os preparativos, havia uma reza apropriada e uma ou mais pessoas encarregadas de cada tarefa, para cada função havia um nome, por exemplo:
omongyha( pessoa que marcava o sinal do furo)
Hembepyhyha: o que segurava o lábio do menino.
Heichacha ou ombokuha: o que furava o lábio, o que dirigia o ritual.
Tembetamirinongeha( o que colocava o Tembetá no lábio).
As famílias armavam pequenas barracas atrás da casa de reza, ocupadas pelas mães, irmãs e irmãos dos meninos e pais que não tiveram seus lábios perfurados, ao pôr do sol os meninos vestidos com seus trajes típicos, começavam os cantos e rezas, durante todo o período de reclusão até o final do Kunumi pepy, todas as mães deveriam usar roupa branca, enfeitada de urucum, a cor branca agradava a divindade e o urucum transformava o pano de origem industrial em manufatura indígena e os meninos e homens vestiam calças e pochito brancos.
Para não sentirem a dor da perfuração os meninos tomavam muita chicha( bebida feita de milho branco), a agulha usada para perfurar o lábio de acordo com o mito indígena do Panambizinho, foi dada ao avô do Pai´i Paulito, pelo próprio Nhandejara.
Depois de receberem o Tembetá os meninos eram levados para dentro da casa de reza, colocados nas redes brancas de feitura tradicional, enfeitadas de urucum, ficavam aos cuidados de suas mães, enquanto os homens lá fora, dançavam o Ovakueka´u, durante uma semana as mães tratavam os ferimentos dos filhos, com chá de ervas apropriado, fervido em um foguinho ao pé da rede, feito de lenhas de dois palmos e meio de comprimento.
Ao término desta semana só as mulheres rezavam o Jerosy puku e o Jerosymbyky, assim seguia, mais uma semana e acontecia o final da festa, com uma grande celebração e confraternização, acompanhados do jopara, refere-se a dança e reza realizadas por homens e mulheres do qual todos participavam, sem distinção, inclusive os não indígenas convidados.
No amanhecer do terceiro dia, finalizava tudo e todos, estavam liberados para retornar as suas casas, muito contentes, segundo Valdomiro, que, informou, que já estavam pensando na próxima festa em três ou quatro anos.
Fonte:Veronice Rossato, CIMI-MS. Jornal O Progresso/1989
Panambizinho: lugar de cantos, Danças, rezas e rituais Kaiowá, Graciela Chamorro/2017.texto: Egizele Mariano da Silva/2022.
Meninos que participaram do Kunumi pepy em 1989.
Valdomiro e seu filho, passando pelo ritual do tembetá.
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