EM 2024, O DESCASO PELA FALTA DE ÁGUA RESULTA EM UM DIA DE CAOS NA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS-MS
Há anos, desde a década de 90 a Reserva Indígena de Dourados sofre com o descaso em relação à falta de água. Em 2001, a FUNASA(Fundação Nacional de Saúde) iniciou a implantação da rede de distribuição de água na Reserva, garantindo que o problema seria resolvido. A comunidade foi orientada a fechar os poços caseiros, pois, com a rede de abastecimento, não faltaria água nas casas. No entanto, o problema não foi resolvido. Em 2014, faltaram recursos para a manutenção da rede de abastecimento, a troca de bombas queimadas e a reposição de encanamentos e torneiras; Sem poço caseiro, a comunidade se deslocava para os córregos em busca de água, colocando em risco a saúde das famílias, ao ingerir água imprópria para o consumo.
Para amenizar a situação, mais poços foram construídos na reserva. A aldeia Jaguapiru possui 07 poços de abastecimento e a aldeia Bororó, 05, mas não foram suficientes para abastecer todas as casas das famílias, devido ao aumento populacional indígena. Assim, ocorreram ampliações na rede, sobrecarregando o sistema de abastecimento e resultando em baixa pressão e insuficiência de água. Algumas famílias improvisaram encanamentos, e caixas d’ água foram doadas para que as famílias reservassem água em suas casas. A água passou a ser racionada, distribuída em dias alternados. Com a falta de chuvas, os córregos começaram a secar e a água dos poços que abasteciam a reserva diminuiu, não chegando às casas das famílias. Até mesmo as escolas passaram a ficar sem água. Os alunos eram dispensados, pois era impossível usar os banheiros ou preparar a merenda. Muitos estudantes faltavam às aulas por não ter água em casa, nem mesmo para o consumo diário, e, sem banho ou roupa limpa, não conseguiam comparecer à escola.
Em 2014, já havia um acordo assinado entre a SESAI (Secretária de Saúde Indígena) e a Prefeitura de Dourados, visando a ampliação da rede de abastecimento e a organização do fornecimento regular de água na reserva. Contudo, até 2018, o acordo não havia sido efetivado, sendo necessária a intervenção do Ministério Público Federal, que solicitou judicialmente a finalização e cumprimento do acordo. Foram feitas ampliações, mas sem sucesso, e a falta de água persistiu. A água passou a ser reivindicada por representantes da comunidade, como caciques, lideranças tradicionais, profissionais da Educação, mas não houve respostas. Em 2023, a comunidade não foi ouvida e a situação só piorou. Crianças com deficiência, idosos e outras famílias sofreram com o descaso pela falta de água.
Segundo representantes do governo, em 2023, estavam articulando, juntamente com o DSEI/MS (Distrito Sanitário Especial Indígena), um “projeto inovador” que resolveria o problema da comunidade indígena de Dourados. Porém, o projeto não saiu do papel. A falta de investimento foi evidente, pois a reserva não foi contemplada no convênio do Governo de Mato Grosso do Sul com a Itaipu Binacional, ficando fora do investimento de 60 milhões de reais para a implantação da rede de água potável e saneamento nas aldeias. Apesar disso, o governo atual garantiu que buscaria meios para atender a reserva, o que causou ainda mais revolta na comunidade, que, enquanto aguardava ações a longo prazo, sofria há meses com a escassez de água.
Cansada de não obter respostas, a comunidade programou um dia de manifestação, solicitando intervenção dos representantes Municipais, Estaduais e Federais para solucionar a crise na Reserva Indígena de Dourados-MS. O grito por socorro se repetia, mas as autoridades não ouviam, obrigando os indígenas a recorrer a outros meios para serem ouvidos. O bloqueio da MS 156 é uma ação realizada desde 1979, um longo tempo de esquecimento do povo indígena. A rodovia, que corta a aldeia Jaguapiru, tornou-se o alvo das reivindicações por melhorias na reserva. Nesse contexto, as escolas, postos de saúde e a comunidade local foram convocados a participar da manifestação pela água. A mídia também foi acionada para divulgar a situação.
No dia 25/11/2024, a comunidade iniciou o fechamento da MS-156, que liga Dourados a Itaporã, uma rodovia que atravessa a aldeia Jaguapiru, sendo o único meio da comunidade ser ouvida. A falta de água é um reflexo do descaso do poder público, que tem deixado a comunidade no esquecimento. O fechamento da rodovia foi a última medida após tentativas de diálogo infrutíferas e reuniões que resultaram apenas em promessas. A comunidade indígena não precisa de promessas, mas de ações emergenciais.
Após o fechamento da MS-156, a comunidade, reunida sob o sol forte, manteve-se firme, mesmo sem respostas e sem soluções. Foram enviados 02 caminhões pipa para transportar água para atender 25 mil indígenas, mas cientes de que isso não resolveria o problema e não atenderia toda a demanda. As reivindicações continuaram. Surgiram comentários sobre o direito de ir e vir, mas na realidade, quem usava a rodovia precisou apenas utilizar caminhos alternativos. Os caminhões e carros pequenos não ficaram parados, pois todos sabiam do protesto da comunidade. No local, a manifestação seguiu, com café, almoço e jantar sendo servidos por voluntários da própria comunidade. Durante o dia, a comunidade dançava suas danças tradicionais, rezava e orava, sem distinção de etnia. Todos, crianças, adultos, idosos e jovens, tinham apenas um objetivo: ter água em casa para beber. Pais e mães estavam com suas famílias reunidas, pois ficar sem água em casa não é fácil, e, quando o problema dura mais de sessenta dias, torna-se insustentável.
Representantes do governo chegaram para tentar um possível acordo, oferecendo 02 caminhões pipa cheios de água para abastecer as casas e R$ 200 mil para perfuração de dois poços de 50 metros. A comunidade, sabendo que poços de 50 metros não garantiriam a evasão necessária de água (pois a profundidade adequada na reserva é de 150 a 200 metros), não aceitou a proposta, pois ela não resolveria a falta de água. Assim, a manifestação continuou.
No dia 27 de novembro de 2024 terceiro dia de manifestação, a comunidade se reuniu novamente na MS-156 para fortalecer o movimento. Receberam informações de que o governador do Estado e Secretaria de Justiça e Segurança Pública( SEJUSP) enviaria a Equipe da tropa de choque da Policia Militar de Campo Grande, para retirar a comunidade da rodovia, sob a alegação de que estariam impedindo o direito de ir e vir. No entanto, se esqueciam do direito essencial da comunidade: o direito à vida, garantido pelo Art. 231 da Constituição Federal de 1988. O povo indígena tem o direito de se organizar, ser respeitado em sua organização social, crenças e tradições culturais, e ser atendido nas questões que afetam seu bem-estar, como saúde e acesso à água. Mas o que o governo fez, foi ignorar as reivindicações, mandar a tropa de choque e impor violência.
A tropa de choque chegou intimidando a comunidade na ponte da Missão Caiuá, sem respeitar as famílias. Pessoas foram presas e feridas com balas de borracha a queima-roupa. A tropa entrou na aldeia, chegando até a rotatória central da aldeia Jaguapiru, onde estavam idosos, crianças, adolescentes e adultos pedindo água e, acima de tudo, pela vida. A reação da comunidade foi imediata: pedras e fogos de artifício foram lançados contra os policiais, que invadiram as casas e lançaram bombas de gás. O grito de socorro da comunidade não era ouvido. Entre choros e pavor, os indígenas ficaram, mas não desistiram da luta.
A tropa de choque recuou quando a comunidade, com pedras e mangas nas mãos, fez valer sua força ancestral. Não foram passivos, mas se uniram para proteger suas famílias, que foram machucadas e que estavam sendo impedidas de receber atendimento médico, pois o Samu não foi autorizado a entrar. Na manifestação, estavam presentes indígenas, Líderes, profissionais da Educação, profissionais da saúde, advogados, indígenas das etnias Terena, Guarani e Kaiowá, estavam ali; Todos reivindicavam água para suas famílias, com o objetivo de garantir um direito essencial à vida.
A repercussão da violência contra a comunidade foi divulgada nas redes sociais pelos próprios indígenas, pois a imprensa foi impedida de entrar na reserva; Houve uma intervenção, e foi marcada uma reunião no Ministério Público Federal para o dia seguinte. A comunidade decidiu continuar na rodovia até que um acordo fosse firmado. No dia 28/11/2024, os líderes e representantes indígenas participaram da reunião, que prolongou por por mais de 5 horas, resultando em um acordo positivo para a comunidade. no quarto dia de manifestação, após uma manhã de violência, aconteceu a tão almejada reunião, que ocorreu na procuradoria da República no Município de Dourados, com representantes do governo Federal e Estadual e lideranças indígenas, representantes da FUNAI, representante da secretaria de Saúde Indígena (SESAI), representantes do Aty Guassu, APIB,SPU/MS, representante de ordem dos advogados do Brasil, Analista Pericial em antropologia do Ministério Público Federal, representantes da Força Nacional e Polícia Militar, O Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério da Saúde/SESAI comprometeram-se a disponibilizar R$ 2.000.000,00 para a perfuração de quatro poços. A SESAI ficou responsável pela execução das obras a partir de 03/12/24, com a licitação dos poços prevista para o final de dezembro de 2024. Além disso, 100 caixas d'água foram disponibilizadas para as famílias sem armazenamento. A perfuração de poços artesianos também foi garantida com recursos de emendas parlamentares. O Estado de Mato Grosso do Sul comprometeu-se a disponibilizar R$ 490.000,00 para perfuração de dois poços na aldeia Bororó e na aldeia Jaguapiru. A construção dos poços está prevista para março de 2025, e os caminhões pipa continuam fornecendo água até lá.
Retornando para a Reserva os líderes e representantes, com o acordo assinado, reúne a comunidade para apresentar as propostas e agradecer a todos pelo envolvimento e permanência na luta pela água, agradecendo as mulheres que enfrentaram o momento tenso, jamais vivenciado por essa comunidade, resistindo até o final, aos jovens guerreiros que encararam a tropa de choque com apenas um estilingue, a comunidade se comprometeu e liberaram a rodovia MS 156 às 17h do dia 28 de novembro de 2024. Após um dia de caos, a comunidade retornou para casa com a garantia de que a água chegaria às suas residências, nessa mesma data as famílias se alegraram ao ver os caminhões pipa, abastecendo suas casas com água potável. Agora, aguardam a construção dos poços, que esperançosamente, resolverão a crise de falta de água na Reserva Indígena de Dourados.
Egizele Mariano da Silva/Dezembro/2024
MOMENTOS APÓS O ACORDO:
Dia 27 de Novembro de 2024 o dia que ficará marcado na memória da comunidade residente na Reserva Indígena de Dourados/MS, um dia em que o povo foi para a rodovia, reivindicar um direito básico a água, um dia em que ao em vez do diálogo enfrentaram balas de borrachas e inalaram gás, com olhos ardentes em meio a fumaças, permaneceram firmes, ficaram as marcas de violências em seus corpos, em suas memórias os gritos e choros das crianças desesperadas, que buscavam meios de se esconder entre as fumaças que se espalhavam no ambiente, sem piedades eram atacadas, as mídias foram as alternativas de pedidos de socorros, repercutindo a violência vivenciada, que com a graças de Deus, o povo indígena foi protegido.
Uma Comissão de representantes indígenas foi criada para acompanhamento das ações:
Momento de entrega das caixas d´água a comunidade da Reserva Indígena de Dourados.
Momento tão esperado, água chegando nas residências:
NO DIA 16 DE DEZEMBRO DE 2024 INICIA A PERFURAÇÃO DO POÇO NA ALDEIA BORORÓ:
Um dia em que a comunidade indígena comemora, um dia de satisfação por todos os momentos de luta pela água, o sorriso de alegria surge em saber que os acordos estão sendo cumpridos o governo está fazendo a sua parte, levando até a comunidade o essencial para a vida, a água, as lideranças e comunidade fazem o acompanhamento constante de todas as etapas do acordo, agora acompanham a perfuração do poço, localizado no terreno do Senhor Estevão Martins, o poço precisa ter uma boa vasão de água para beneficiar a comunidade da Aldeia Bororó, que não tem água em casa.
Hoje o dia foi de alívio, e de gratidão, conforme mencionou o vice Capitão da Aldeia Jaguapiru, só gratidão a Deus por esse momento, e a todos pois é uma conquista da comunidade Residente na Reserva Indígena de Dourados, no entanto foram dias cansativos e de desespero na MS 156, o povo foi atendido, após as reivindicações, por não se calar diante de ameaças e a violências.
CONSTRUÇÃO DO POÇO NA ALDEIA JAGUAPIRU:21 DE DEZEMBRO DE 2024:
Edição e postagem Egizele Mariano da Silva, Dezembro de 2024, imagens e fotos das redes socias, postadas pelos manifestantes presentes na BR 156. Egizele, Jornal O progresso e Jornal The Time Jaguapiru.
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