Sou indígena da etnia Terena, eu e minha família morávamos perto de uma casa de reza, onde morava um cacique rezador, chamado, Neves, indígena da etnia Guarani Kaiowá, como parte de sua tradição cultural, todos os finais de semana, aconteciam rituais naquela casa de reza, com muitos cantos, rezas e danças, dormíamos ao som dos cantos do pajé, que se prolongava até o amanhecer, era muito emocionante, uma tradição diferente da nossa cultura Terena.
Toda tarde, antes dos rituais acontecer, o cacique se deslocava até a roça onde morávamos, naquele tempo, todos podiam ir na roça do outro sem problemas, lá havia um pé de jatobá, ao se aproximar, fazia uma reza e retirava a casca da árvore, fatiando a com cuidado.
Ao observar sua ação, perguntei ao meu pai, porque o cacique fazia isso, meu pai me explicou, que usavam a casca do Jatobá, para fazer um remédio, que lhes davam resistência e força, para assim rezar a noite inteira, desta forma poderiam ingerir muita bebida forte ou se alimentar, que no dia seguinte, não teriam problemas intestinais; Muito curioso perguntei ao meu pai como preparavam o remédio, ele me disse que é preciso retirar a casca da árvore, superficialmente, para não machucar e colocar em uma panela para esquentar, cuidando para não torrar, porque se torrar ficará muito amargo, depois é só retirar do fogo, colocar água, armazenar em uma garrafa, acrescentando outras plantas medicinais, esse remédio serve para dor no estomago, desinteria e prisão de ventre.
Com o passar dos tempos nos mudamos de casa, meu pai comprou outro terreno e onde morávamos ficou como roça, para o cultivo de alimentos, e íamos lá somente para cuidar da nossa roça; Cresci, casei e meu pai me deu aquele lugar para morar, construí minha casa e passei a morar com a minha família, e novamente ouvia o som dos rituais, agora juntamente com meus filhos, vi o cacique, realizar o mesmo processo ao pé de jatobá, algo admirável, mesmo com o passar dos anos e com as transformações que ocorreram na aldeia, ele continuava a manter os seus costumes, valorizando a sua tradição; Mas hoje ele não está entre nós, o pé de Jatobá continua lá, representando a sua memória e seus ensinamentos. Aprendi que devemos observar os anciões, pois, sempre há algo a nos ensinar.
Emislene Silva Mariano/Relatos de vida de Valdelino Jorge/2013.Organização:Egizele Mariano da Silva.Abril/2022
pé de Jatobá
Pé de jatobá, marcas dos cortes, em seu tronco.
Atividades/Egizele Mariano da Silva.2022
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