Os indígenas Guarani Kaiowá e Guarani Ñhandeva, participaram dos trabalhos nos ervais da Companhia Matte Larangeira, especificamente no antigo sul de Mato Grosso, no período de 1902 a 1952, período em que iniciou, a exploração da erva mate nativa, sob a orientação de Thomás Larangeira, por meio de arrendamento, concedido pelo decreto imperial nº. 8799 de 9/12/1882. No ano de 1902, os irmãos Murtinho negociam o arrendamento com Thomaz Laranjeira e criam a Empresa Companhia Matte Larangeira. O referido arrendamento garantiu à empresa ervateira o monopólio da exploração da erva-mate por cinco décadas.
A lei de 1892, art. 1º, impedia a exploração dos ervais a quem não tivesse assinado com o governo do Estado um contrato de arrendamento. A partir de então desconsidera os decretos anteriores e os posseiros passam a elaborar a erva clandestinamente nas terras devolutas do Estado. A Companhia Matte Larangeira, com base em contratos formais, ampliou seu poder na região, sendo a principal atividade econômica na região.
Os limites das posses da Companhia estenderam desde as cabeceiras do ribeirão das Onças, na Serra de Amambay, pelo ribeirão S. João e rios Dourados, Brilhante e Sta Maria até a Serra de Amambay e pela crista desta serra até as referidas cabeceiras do ribeirão das Onças, a exploração da erva mate, abrangeu o território Kaiowá e Guarani.
O SPI
O SPI determinou o processo de confinamento dos Kaiowá e Guarani e a correspondente liberação do território para as atividades desenvolvidas pelas diversas frentes de exploração econômica. Ao demarcar as reservas indígenas, o SPI mencionou, que o restante da terra ocupada pelos indígenas, estaria disponível para a colonização, forçando-os a se instalarem nas reservas. O restante poderia ser disponibilizado pelo Estado para doação/venda para os não-indígenas. Anteriormente à política de demarcação das reservas, os indígenas, foram gradativamente expulsos de seus territórios e serviam como mão-de-obra nas diversas frentes de trabalho, como na Empresa Mate Larangeira, que se faziam presentes em seu território; Nem todas as aldeias indígenas foram atingidas pela ação da Cia Matte Larangeira ou foram atingidas da mesma forma e intensidade.
O Posto Francisco Horta, Hoje denominado Reserva Indígena de Dourados:Francisco Horta Barbosa abriga, hoje, uma população indígena integrada por três etnias: Terena, Guarani e Kaiowá. Segundo o índio Albino Nunes “os Terenas foram trazidos pelo Marechal Candido Rondon” por conta do trabalho da expansão das redes telegráficas vindas de Corumbá (BRAND et al, 2004). Segundo a explicação destes mesmos autores:
Os indígenas eram escolhidos para trabalhar na extração da erva mate, por aguentar o trabalho pesado, carregavam nas costas léguas e léguas, a erva, trabalharam no barbaquá, no ataqueio, o ataqueio é o preenchimento da erva-mate, na exploração do mate, na busca dos ervais em plena mata, eles nunca chegavam na ranchada ervateira, e como eram inteligentes logo eles viram como é que funcionava aquelas industrias, iam cortar lenha na medida certa, mais ou menos 80 cm, que era para as fornalhas dos barbaquá.
O trabalho dos Indígenas nos ervais:
Na década de 1920, já havia os ranchos nos ervais localizados onde havia erva para a extração na mata, uma pessoa habilitada era escolhida para identificar os ervais, ao encontrar, faziam se as instalações de um rancho no local;
· Na colheita fazia se o corte dos galhos das árvores da erva mate;
· Realizavam o ensacamento
· A erva colhida era levada ao rancho para ser preparada
· Carregavam os sacos pesados nas costas, parando a cada 500metros;
· Carregavam em torno de 200 a 300 quilos na cabeça até o rancho;
· Era levada ao barbaquá, onde passava pelo processo de secagem, esse trabalho era feito por um especialista o “barbaquazeiro”
· na seqüência, a erva mate era retirada do barbaquá e moída para assumir a forma denominada de mbovire, só então estava pronta para ser ensacada e comercializada.
Relatos de João Aquino, indígena da etnia Kaiowá:
O indígena João Aquino, com 103 anos em uma entrevista realizada em setembro de 2004, relatou que acompanhou o trabalho que envolveu o período da Companhia Matte Larangeira. Aquino desempenhou o cargo de capitão, por 14 anos, no Posto Indígena de Fronteira José Bonifácio, atualmente Terra Indígena Te’ýikue, no município de Caarapó, MS, por um período de 10 anos, ocupou a função de capitão na Terra Indígena de Takuara, município de Juti, MS; Relatou que o indígena trabalhou ativamente na erva mate, descobriam o erval, avisavam o capataz e recebiam as ferramentas para realizar a extração, retiravam a erva, batiam, até ficar moída e depois ensacavam, havia uma pessoa que pesava a erva, chamado de comissário, faziam o barbakua e deixavam a erva um processo de secamento, o barbakuasero subia e aos poucos ia mexendo, mexendo, até que ficar bem sequinha;
Muitos indígenas Kaiowá e Guarani, com suas famílias foram deslocadas de suas aldeias, acompanhando a instalação de ranchos para a coleta de erva, se distanciando de seu povo e suas tradições culturais, muitos foram contagiados com as epidemias e outras doenças; Segundo senhor Aquino, fazia um rancho ou um barraco ou dormiam no meio dos ervais, com toda a sua a família, faziam fogo e não precisavam de cobertores, caçavam e comiam animais que encontravam na mata, o trigo, arroz; as crianças e mulheres também trabalhavam, os indígenas se embrenhavam nas matas com sua família procurando um lugar adequado para fazer seu rancho e trabalhar na erva. Trabalhavam nos ervais paraguaios, indígenas, regionais brasileiros, argentinos, para boa parte dos Kaiowá e Guarani, o trabalho nos ervais passava a ser uma oportunidade de interação com os novas pessoas, com os quais passam a, compulsoriamente, compartilhar o território, passando a dispor de produtos industrializados como roupas, calçados, ferramentas, sal, açúcar, etc, e expandir os horizontes da sociabilidade, através da aprendizagem de novas expressões comportamentais.
O SPI E O AGENCIAMENTO DE INDÍGENAS:
No cotidiano ervateiro, houve ainda, por parte do SPI, o agenciamento da mão-de obra indígena. O órgão do governo que a partir da implantação das reservas tinha a finalidade de proteger os indígenas foi responsável, por vários anos, pela sua liberação para o trabalho na Companhia Matte Larangeira e fazendas vizinhas à reserva. O primeiro contato para a liberação para o trabalho nos ervais era acertado com o encarregado do posto que encaminhava todos os trâmites da saída dos indígenas. Os indígenas eram proibidos de circular fora das suas dependências sem a prévia autorização do encarregado. É importante registrar que havia sempre à disposição pessoas interessadas em ir trabalhar fora, de acordo com a procura.
De acordo com Aquino, escolhiam os indígenas, uns deixavam levar a mulher outros não, e só retornavam para a aldeia depois de seis meses, com a permissão do SPI, mas não recebiam dinheiro pelo serviço, apenas, roupas que ganhavam para não ficar nu e machado, facão e outras ferramentas; surgiram muitas epidemias de varicela e varíola e muitos não foram vacinados porque se encontravam trabalhando nos ervais.
Informações presentes na tese de Eva Maria Luiz (A PARTICIPAÇÃO DOS INDIOS KAIOWÁ E GUARANI COMO TRABALHADORES NOS ERVAIS DA COMPANHIA MATTE LARANGEIRA (1902-1952)2007.
Organização do material:Egizele Mariano da Silva/2021
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